quarta-feira, 16 de março de 2016

Um lance decisivo no Game of Thrones brasileiro - LULA, A MÃO DO REI

LULA, A MÃO DO REI

(um lance decisivo no Game of Thrones brasileiro)

Por Jean Wyllys - Via Facebook - 16/03/2016

Todos sabem que sou leitor atento das "Crônicas de gelo e fogo", de George R.R. Martin, e espectador entusiasmado da série "Game of Thrones", adaptação para a tevê dessas mesmas crônicas. Livro e série são muito mais que ficção de realismo fantástico para entreter pessoas interessadas em narrativas que misturam tradição nobiliárquica medieval com dragões, bruxas e zumbis: são um tratado de filosofia e ciência políticas acerca de períodos de profunda crise de representação político-institucional e de ameaças maiores aos nossos modos de vida.

Nesse sentido - e levando-se em conta que o mundo globalizado se encontra mergulhado numa crescente crise econômico-financeira associada a uma crise política, das quais, decorrem guerras reais e simbólicas pelo controle dos recursos materiais disponíveis e pela definição de novas regras para o jogo (sendo o "Trono de Ferro", na obra de George R.R. Martin, a metáfora da possibilidade de controle dos recursos materiais disponíveis e de manutenção da regra do jogo, as crises emergem justamente quando os recursos disponíveis se tornam escassos e/ou as regras ou não servem mais para o jogo que se deseja jogar ou são quebradas deliberadamente por um ou mais dos jogadores em cena), mas das quais também decorrem ameaças que escapam ao controle dos jogadores e que estão acima de suas guerras, como, por exemplo, o aquecimento global e a extinção da espécie humana (ameaças maiores representadas, nas "Crônicas de gelo e fogo", pelos "Caminhantes Brancos", exército de zumbis que se multiplica a cada dia) - Nesse sentido, livro e série de tevê captam o espírito da época que vivemos e, por isso, são um sucesso retumbante.

"Game of Thrones" serve, portanto, para refletirmos também sobre os impactos dessa crise econômico-financeira e política no Brasil (sim, a literatura e a filosofia não são saberes inúteis como o querem os tecnocratas e fascistas). E a figura política que tomarei como chave dessa breve reflexão sobre os impactos da crise entre nós é a "Mão do Rei". Na ficção de George R.R. Martin, a "Mão do Rei" é o conselheiro-mor do soberano que ocupa o "Trono de Ferro", uma espécie de "Ministro-chefe da Casa Civil" em regimes presidencialistas ou de "Primeiro Ministro" em regimes parlamentaristas. A "Mão do Rei" tem papel crucial na gestão de crise artificial ou natural que ameace a soberania e a legitimidade do rei... ou da rainha.

Ameaçada desde o primeiro dia de seu segundo mandato por uma crise política estimulada e alimentada pelos partidos derrotados nas eleições de 2014 (PSDB, DEM, PPS e Solidariedade), pelos meios de comunicação de massa aliados desses partidos e por um juiz (Sérgio Moro) com mal-disfarçada posição ideológica e partidária e vocação pra Messias, mas também ameaçada pelos escândalos de corrupção em que se envolveram figuras proeminentes do PT e pelas conspirações feitas por Eduardo Cunha e outros traidores de sua base parlamentar, Dilma Rousseff decidiu nomear Lula sua nova "Mão do Rei", ou seja, o novo Ministro-chefe da Casa Civil, para desespero dos que querem tirá-la de qualquer jeito do "Trono de Ferro".

Lula tem a experiência de já ter sentado no trono por dois reinados, que não só produziram um tempo de prosperidade e paz para e entre os "Sete Reinos" (o conjunto das elites econômicas e políticas) como também conciliaram nobres e plebeus (maioria da população) ao convencer a nobreza de que dar um mínimo de dignidade aos trabalhadores e mais pobres não era necessariamente um mal negócio. Deixou o trono amado pelas massas e fez sua sucessora.

Acontece que durante o primeiro reinado de Dilma os ventos do inverno começaram a soprar mais fortemente, sinal de que o tempo de prosperidade havia se esgotado. Então, a parte mais rica da nobreza - preocupada com a distribuição dos recursos disponíveis em tempos de escassez invernal - decidiu que não fazia mais sentido manter uma rainha que continuasse se preocupando com a vida dos plebeus (é como diz o di
to popular, "farinha pouca, meu pirão primeiro").

Essa parte da nobreza inicia, então, e com apoio dos meios de comunicação de massa, uma crise política que objetiva tirar Dilma Rousseff do "Trono de Ferro" e sentar, nele, um dos seus. Nesse esforço para derrubá-la, tudo serve de arma à nobreza oposicionista: as inegáveis incompetências da rainha, sua falta de traquejo com o idioma comum, sua identidade de gênero, o envolvimento de alguns dos seus conselheiros em esquemas de corrupção e a aplicação dos recursos da união em políticas para os mais pobres, mas principalmente a disposição de alguns de seus aliados em traí-la e sabotá-la deliberadamente (é o caso do corrupto Eduardo Cunha).

Preocupada com a habilidade e o carisma do antigo rei (Lula) num eventual auxílio à rainha que deseja depôr, a nobreza oposicionista decide destruí-lo em paralelo, explorando seu suposto envolvimento em práticas de corrupção tão comuns entre os membros dessa mesma nobreza. Contando com a simpatia de um juiz que conduz investigação sobre crimes de corrupção, a nobreza oposicionista quer (e pode) prender o antigo rei Lula, que já não conta com a imunidade conferidas pela majestade.

Dilma Rousseff e Lula, certos de que a nobreza oposicionista e corrupta está preste a lhes dar um xeque-mate nesse jogo cujas regras vêm sendo deliberadamente burladas por seus adversários, e cientes de que só lhes resta ou entregar o jogo ou fazer um derradeiro e arriscado lance (que poderá mexer no tabuleiro e lhes tirar da iminência do xeque-mate), Dilma e Lula decidiram continuar o jogo. Se é pra perder, que se perca com dignidade. E, então, a rainha nomeia Lula a "Mão do Rei", para o desespero da nobreza oposicionista e golpista que desejava prendê-lo, já que transfere seu julgamento para juízes mais isentos e menos arbitrários. Lula pode até ser uma "Mão do rei" com um dedo a menos, mas ainda assusta boa parte dos nobres por sua capacidade de trabalho.

O lance da rainha Dilma e da "Mão do Rei" é arriscado e pode só precipitar seus fins, mas é o que lhes resta no momento. Na obra de George R.R. Martin, o lance do rei Robert Baratheon em nomear Ned Stark sua "Mão" para conter a conspiração que o ameaçava resultou num fim trágico para ambos: o rei morreu envenenado e os conspiradores conseguiram levar o justo Ned Stark para a guilhotina. Mas, noutro momento de "Game of Thrones", um lance parecido - a nomeação de Tyrion Lannister como "Mão do Rei" Joffrey Lannister para debelar a tentativa de usurpação do "Trono de Ferro" por parte de Stannis Baratheon, que acusava Joffrey de "bastardo" e, portanto, um rei ilegítimo - resultou em vitória para ambos! Mesmo cercado e em grande desvantagem, Tyrion Lannister (cujo perfil curiosamente tem algo de Lula), usando "fogo vivo" (uma arma improvável naquelas circunstâncias) venceu a batalha de "Black Water" contra Stannis Baratheon e manteve Joffrey no "Trono de Ferro" temporariamente.

Qual será o resultado do lance de Dilma e Lula? Levará ambos a perderem o "Trono de Ferro" e suas vidas, como aconteceu com Robert Baratheon e Ned Stark? Ou os levará a uma inesperada virada no jogo, vitória da batalha e conservação do "Trono de ferro", ainda que temporariamente, como aconteceu com Joffrey e Tyrion Lannister? Só o tempo dirá!

Concluo essa reflexão ressaltando que, embora eu tenha muitas críticas ao reinado de Dilma Rousseff e não ponha minha mão no fogo em relação a Lula, desejando que este seja punido no tempo das garantias jurídicas caso se prove que ele está diretamente envolvido em esquemas de corrupção e enriquecimento ilícito, embora tudo isso, eu tenho horror à hipocrisia e à demagogia da nobreza oposicionista, corrupta e egoísta desde sempre, mas protegida pelos meios de comunicação e por seus representantes no Judiciário. Ver essa gente tentar usurpar o "Trono de Ferro" na base do grito, da mentira e da manipulação, faz-me torcer para que o lance de Dilma e Lula no "Game of Thrones" dê certo. Oxalá tomara!

Enquanto isso, sigo preocupado com os ventos do inverno e seus caminhantes brancos que nos ameaçam a todos e todas e se aproximam da vez mais rápido enquanto os reinos guerreiam.

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