domingo, 17 de setembro de 2017

Ricardo Cappelli : Janot reescreveu a novela “Vale Tudo”, com Joesley no papel de Reginaldo Farias, que no “grand finale” dá uma banana ao país.

SOBRE BAMBUS E FLECHAS: A DESPEDIDA DE JANOT

“O MP tornou-se na prática um quarto poder. Não se subordina ao Legislativo, nem ao Executivo nem ao Judiciário. Passou a dispor de discricionariedade incomum a atores não eleitos. Transformou-se em organização incomum na democracia.” Maílson da Nóbrega.

Por Ricardo Cappelli - Via Facebook - 17/09/2017
Charge Renato Aroeira
Consagrou o conceito de ética da convicção no combate à corrupção. Desconsiderou a ética da responsabilidade. Fez da corporação sua principal referência e bússola. Abriu mão da imparcialidade e da prudência para vestir a capa de enxadrista político. Manobrou informações no tempo a serviço de sua estratégia. Ao avançar sobre Cunha somente após este ter feito o trabalho sujo, deixou suas digitais no golpe contra uma presidenta impopular, mas honesta.

Seu pronunciamento em 2013, falando sobre o desafio de assumir a PGR, causou impressão positiva. Rodrigo Janot criticava o histrionismo e pregava o equilíbrio. O PGR que se despede hoje carregará para sempre a mácula de ter comandado uma caçada “santa” ao presidente mais popular de nossa história. Sob sua direção e silêncio o MPF gravou e divulgou vídeos nas redes sociais, virou um partido político, e escreveu um capítulo triste, um PowerPoint vergonhoso que causou rubores até na extrema direita.

No “episódio Odebrecht” optou pelo caminho fácil do aplauso e da infâmia. Manchou reputações misturando corrupção com caixa dois e até “ouvi dizer”. Jogou a política aos Leões. Generalizou a crítica aos políticos e às coalizões, necessárias para governabilidade em qualquer democracia no mundo. Deu a “carne fresca” que faltava para a consolidação do fascismo brasileiro. Foi cúmplice do fim da presunção da inocência, do abandono do estado democrático de direito, das garantias individuais e da “condenação pelas convicções”.

Ignorou o desemprego da patuléia ao defender aumentar seu próprio salário para quase 40 mil reais. Fechou os olhos aos supersalários que zombam do teto constitucional. Distribuiu “auxílio moradia” para seus pares. Foi generoso com os colegas, do presente e do passado. O ex-procurador geral, Antônio Fernando, implacável no seu “domínio do fato” contra Zé Dirceu, se aposentou e virou advogado de defesa do probo Cunha. Os políticos que este “estamento superior” carimbam como bandidos jamais resistiriam a tamanha contradição, a efêmera transmutação das convicções pelos honorários.

Fez a alegria do “Tio Sam” ao auxiliar no desmonte da Petrobras e fornecer informações para que os acionistas norte-americanos tentem liquidar nosso maior orgulho. Ajudou a destruir a engenharia nacional, referência internacional presente em mais de 70 países. Inaugurou a rentável “indústria da delação” e as “colônias de férias” onde corruptos milionários e confessos passam férias forçadas jogando animadas partidas de tênis. Reescreveu a novela “Vale Tudo”, escalando Joesley Batista para o papel do corrupto original, Reginaldo Farias, que no “grand finale” escapa ileso, entra em seu helicóptero e dá uma banana ao país. Após não ter como sustentar o insustentável ao ver seu braço direito ser desnudado em praça pública, foi arrastado para um boteco de Brasília, onde manchou sua reputação.
Joesley imitando o gesto do personagem Marco Aurélio, vivido pelo ator Reginaldo Faria na novela Vale Tudo . Arte O Estado de Minas
Até as morsas do ártico sabem de onde vieram as “exclusivas” que a Globo, “paladina da democracia”, cansou de repetir. Vai embora devendo explicações sobre sua relação com a família Marinho.

Desfilou inebriado pela fama nos palcos da elite brasileira. “Enquanto houver bambu, lá vai flecha!” Entre a retidão e o equilíbrio, o compromisso com um projeto de país, a necessária separação do joio do trigo, o firme combate à corrupção sempre na defesa dos interesses nacionais, escolheu o ego e a capa dos jornais. Acabou linha auxiliar de interesses imperialistas. Já nos estertores de seu mandato resolveu atacar a Venezuela e Maduro, deixando claro suas opções.
Sempre que se sentiu ameaçado utilizou do mesmo expediente: tiro diversionista na esquerda. Surfou na ilusão conciliatória da social democracia enquanto perdurou a visão inocente de um “republicanismo asséptico”. Quando resolveu tirar o velho e experiente Centrão para dançar caiu no meio do salão e passou vergonha.

Chegou o dia 17 de setembro de 2017. Não há dúvida que avançamos no combate à corrupção, velha chaga de nossa herança oligárquica patrimonialista. Mas esta tarefa imprescindível foi conduzida de forma correta? O Brasil hoje está melhor ou pior que há quatro anos atrás? A vida do povo melhorou? A corrupção foi erradicada? Quem está no Poder? Os fatos são objetivos. Auxiliou na deposição de uma presidenta honesta, ajudou a destruir setores estratégicos da economia nacional, caçou Lula como um troféu, fortaleceu o fascismo brasileiro, salvou empresários e delatores confessadamente corruptos e ainda levou e consolidou o Velho Centrão no poder. Prendeu alguns corruptos, é preciso reconhecer. Recuperou algum dinheiro, não se pode negar. A resultante final serve aos interesses nacionais? Nossa democracia sai mais forte? O Ministério Público sai mais forte? Como bem escreveu Maílson, o MPF “transformou-se em organização incomum na democracia”. A reação será iminente, é apenas questão de tempo.

O “neofacista de coturno” e outros expoentes “de suéter” da reação não são o problema. Estes, enfrentamos à luz do dia e derrotamos nas ruas e no voto, dentro do jogo democrático. O perigo são os que atuam nas sombras e querem substituir a democracia por uma suposta meritocracia, uma “pseudorepública autoritária de iluminados superiores”, relegando ao povo “incapaz” o papel de simples coadjuvante. Por que a sanha para tirar Lula das eleições? Infiltrados nas diversas esferas do aparato estatal, talvez sejam a maior e verdadeira ameaça ao futuro da nação.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Coxinha é o pobre de direita que pensa fazer parte da classe dominante.

Finalmente alguém explicou o surgimento do termo ‘coxinha’. 

Por Margarete Schmidt - Revista Forum - 12 de setembro de 2017

Charge: Gervásio
Está desfeito o mistério. Margarete Schmidt explica em detalhes, com um texto divertido e saboroso, além de plausível, o surgimento do termo que tomou o país de ponta a ponta.

Qual o significado de coxinha?

O nome/ termo “Coxinha” veio de uma gíria já existente há décadas na cidade de São Paulo e que antes designava apenas um xingamento direcionado aos policiais. “Encarregados de fazer a ronda, eles se alimentavam de coxinha em bares e lanchonetes – e, em troca, garantiam a segurança local.” Prestavam, em meio ao seu turno de serviço público, um bico de segurança momentânea a certos comerciantes que lhes ofereciam como pagamento apenas migalhas (coxinha e café coado).

Esses policiais costumavam e ainda costumam espantar das portas das padarias e seus similares os pivetes e os jovens moradores das comunidade locais. Eles costumavam e costumam espantar/afastar jovens que muitas vezes cresceram juntamente com seus irmãos e que por vezes frequentaram ou frequentam as mesmas escolas que eles frequentaram. Ou seja, são todos conhecidos, têm o mesmo berço econômico e social.

Tais jovens, ao serem “afastados/espantados” para longe dos estabelecimentos comerciais guardados por tais policiais ficavam furiosos e gritavam para eles: “seu coxinha, vc sabe que eu não sou bandido. Vc me conhece. Vc está defendendo esse cara em troca de uma mísera coxinha. Coxinha, coxinha!” Ou seja, o coxinha, naquele contexto, era um Xingamento dirigido a um policial que se escondia de sua própria condição (pobre, favelado e sem estirpe, mas que enganado por seu uniforme, pensava ser igual ou próximo ao rico comerciante e o avesso dos jovens pobres que ele espantava do local).

A expressão coxinha passou então a ser sinônimo daquele que defende um status quo ao qual ele não pertence. Ele defende os ricos, pensa ser rico, mas na verdade é um objeto a serviço dos ricos. Um instrumento para subjugar os seus iguais. O coxinha nunca terá o poder de um Aécio, dos Marinho ou de qualquer outro milionário ou mero empresário, mas ao defendê-los, o coxinha julga ser igual a eles.

Esses milionários não reconhecem o coxinha como seu par em igualdade, mas sim como um instrumento barato que defende e garante que ele (milionário) sempre tenha mais e mais.

O coxinha (na acepção primeira) é o policial que faz segurança diante das padarias: defende o rico comerciante, acha q é amigo do dono da padaria, mas no fundo é apenas um instrumento barato. Esse policial vira as costas para os seus iguais, impede-os de esmolar por ali, usa da força para tira-los do campo do rico comerciante. Mas, caso uma desventura aconteça e esse policial venha a perder o seu emprego, esse rico comerciante não lhe garantirá direitos, nem comida e nem apoio. De modo oposto, os seus iguais, a sua comunidade, certamente lhe oferecerão o apoio necessário e até farão alguma rifa para ajudar sua família a não passar fome.

É isso: o coxinha é aquele que luta por alguém que nunca, jamais irá garantir-lhe os direitos que ele precisa. O coxinha é o enganado. O termo se generalizou e passou a descrever o cara que pensa que um governante rico e poderoso irá construir melhorias para os trabalhadores, quando na verdade esses trabalhadores receberão desse tipo de governante apenas migalhas.

O coxinha pensa que é classe dominante. Ele se uniformiza à classe dominante: usa camisa polo de marca, já foi aos states, comprou casa e SUV financiados, critica as cotas e os nordestinos, fala mal do SUS e da ignorância da faxineira. O coxinha é o policial uniformizado na porta da padaria que pensa ser diferente dos jovens da comunidade. O coxinha é o cara que põe gel no cabelo e sai por aí esnobando o seu brega Rolex e pensa ser igual ao CEO da multinacional. Ambos, policial e classe pobre emergente, enganados, ambos coitados, ambos à mercê da fuga de suas origens.

Essa é a história da gênese da expressão coxinha e que eu desencravei há alguns anos em uma das tantas pesquisas que fiz por São Paulo.

Coxinhas são aqueles que viverão ao sabor das migalhas frias acompanhadas de café coado. A eles restará sempre e tão somente a azia e a má digestão, pois quem se iguala ao diferente recebe o que esse diferente acha que ele merece: coxinhas frias e nunca uma CLT.”

Margarete Schmidt