sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Qual a diferença entre crack e cocaína? A classe social de quem consome. É hora de os governantes brasileiros passarem a combater as drogas de maneira menos hipócrita e higienista –como fazem o PSDB e o DEM, que sempre preferiram simplesmente expulsar os viciados do centro ou interná-los em instituições mentais, para bem longe da vista dos “cidadãos de bem”.


Qual a diferença entre crack e cocaína? A classe social de quem consome

Cynara Menezes - 21/01/2014
(A fórmula da cocaína e a do crack: praticamente idênticos. Fonte: Alternet)

A iniciativa da prefeitura de São Paulo de experimentar outra abordagem contra o crack, hospedando em hotéis e pagando 15 reais por dia a viciados para que varram ruas me deixou muito otimista. É hora de os governantes brasileiros passarem a combater as drogas de maneira menos hipócrita e higienista –como fazem o PSDB e o DEM, que sempre preferiram simplesmente expulsar os viciados do centro ou interná-los em instituições mentais, para bem longe da vista dos “cidadãos de bem”. Obviamente os obtusos da direita (pleonasmo?) já atacaram a ideia do prefeito Fernando Haddad. Para que tentar dar uma chance a essas pessoas se é possível varrê-las para debaixo do tapete? “Pessoas? E usuário de crack é gente?”, perguntam-se os defensores dos “humanos direitos”.

Os histéricos da droga normalmente preferem nem se informar a fundo sobre o assunto, como se a mera proximidade com estudos científicos os contaminasse. Mas como a guerra às drogas que inventaram resultou apenas em crime, degradação e violência, outro tipo de pensamento começa a se impor no mundo. Não é à toa que países como Uruguai e mesmo os EUA mudaram sua visão em relação à maconha. Os EUA, aliás, estão cada vez mais liberais com a cannabis, como demonstra uma pesquisa divulgada no início do mês: hoje em dia, 55% dos norte-americanos aprovam a legalização da maconha. E só 35% deles acham que fumar baseados é “moralmente condenável” (veja aqui). Exatamente o oposto da direita ignorante (pleonasmo?) brasileira, que se recusa a aceitar a falência de seu modelo arcaico na solução de dilemas contemporâneos.

Um fato pouco divulgado sobre o crack é que ele não é uma droga tão diferente das outras, tão mais viciante que as demais. Sabia? Na verdade, existe bem pouca diferença entre o crack e a cocaína, quimicamente falando. A única diferença é a remoção do cloridrato, o que torna possível fumá-lo. É como se a cocaína fosse açúcar refinado, e o crack, rapadura. O que torna o crack mais potente é a forma de consumi-lo: fumar leva a droga rapidamente aos pulmões, fazendo com que o efeito seja mais rápido e mais intenso do que cheirar pó (veja mais mitos sobre o crack aqui). Para piorar, a pedra de crack é barata –custa 10 reais, enquanto o grama de cocaína é vendido a 50 reais. Ou seja, o crack, ao contrário da cocaína, é acessível aos miseráveis.

Saber disso nos abre os olhos a uma problemática fundamental em relação ao crack, que é a vulnerabilidade social de quem está exposto à droga morando nas ruas. É exatamente este aspecto que a prefeitura de SP pretende combater ao tentar reintegrar o viciado à sociedade, dando-lhe perspectivas. Sem oferecer-lhes perspectiva de futuro, esperança, não adianta desintoxicá-los. Ao sair da clínica, eles voltam para o vício, até porque, vivendo à margem, não têm mais o que fazer. Enquanto isso, os cocainômanos e viciados em crack das classes mais abastadas são enviados ao rehab, às clínica chiques, e a gente nem sequer chega a tomar conhecimento deles. Quem está na rua, não, “incomoda”, integra a “gente diferenciada” para a qual muitos torcem o nariz e têm medo.

Dois anos atrás, o ator Charlie Sheen, bem conhecido de todos como o “doidão” de Hollywood, causou polêmica nos EUA ao declarar em uma entrevista que alguns amigos seus usam crack “socialmente”, assim como fazem tantos endinheirados com a cocaína. Parece absurdo? Não é. A partir das declarações de Sheen, a jornalista Maia Szalavitz, da revista Time, escreveu um artigo demonstrando que somente 15 a 20% das pessoas que experimentam crack ficam viciados. Mais: que 75,6% dos que provaram crack entre 2004 e 2006 tinham abandonado o cachimbo dois anos depois; outros 15% passaram a usar ocasionalmente; e só 9,2% ficaram viciadas.

Uma realidade bem distante do que pensávamos pouco tempo atrás, quando se costumava dizer que basta uma baforada para a pessoa ficar viciada. É possível, sim, entrar no crack e sair. Assustar os jovens em relação às drogas pode ser eficiente, mas eu acho que é muito mais importante dizer a verdade, conscientizá-los com base na ciência. “O crack não é mais tóxico que a cocaína. O que acontece é: quem toma crack? Os negros mais ferrados dos EUA. Os adolescentes com menos perspectivas profissionais”, defende um dos maiores especialistas do mundo em drogas, o espanhol Antonio Escohotado. No Brasil é a mesma coisa. Embora atinja várias classes sociais, o vício em crack é devastador sobretudo para os jovens e adultos em situação de rua.

Quanto mais leio e me informo, mais fico convencida de que não existem drogas “perigosas”. Todas elas são e não são ao mesmo tempo. O que existe é a pessoa por trás da droga e a circunstância em que vive. Se o ser humano que busca as drogas está em condição de risco –psicológico ou econômico– obviamente estará mais sujeito à adicção. Assim é com tudo que entra pela boca do homem: comida, álcool, remédios ou drogas ilícitas. A droga jamais pode estar relacionada à fuga da realidade, mas às experiências sensoriais. Quem vive na rua, dormindo na calçada ou em buracos, com certeza não está usando a droga “recreativamente”.

Se não fôssemos dominados por um pensamento tacanho e estivéssemos usando, como em muitos países civilizados, a maconha com fins terapêuticos (a exemplo dos EUA, que a direita brasileira adora macaquear, mas não nas iniciativas boas), a próxima etapa do programa da prefeitura de São Paulo deveria ser ministrar baseados como política de redução de danos do vício em crack. Vários estudos científicos comprovam que fumar maconha diminui a “fissura” entre viciados que desejam deixar a pedra, ajuda na hora de enfrentar a síndrome de abstinência. É uma possibilidade no tratamento. Os hipócritas iriam permitir? Imagina. Interessa a eles, de certa forma, que existam viciados em crack perambulando pelas ruas para que seu irracional discurso anti-drogas e anti-crime continue a ter eficiência sobre os incautos.

UPDATE: Clique aqui para assistir o quadrinho online Ratolândia, de Stuart McMillen, onde ele conta a história de duas experiências com ratos de laboratório. Será que a dependência é causada pela mera exposição às drogas? Imperdível, recomendo fortemente.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Os rolezinhos nos acusam: somos uma sociedade injusta e segregacionista

"(...) eles denunciam a nossa maior chaga: a desigualdade social cujo verdadeiro nome é injustiça histórica e social. Releva, no entanto, constatar que com as políticas sociais do governo do PT a desigualdade diminiui, pois segundo o IPEA os 10% mais pobres tiveram entre 2001-2011 um crescimento de renda acumulado de 91,2% enquanto a parte mais rica cresceu 16,6%. Mas esta diferença não atingiu a raíz do problema pois o que supera a desigualdade é uma infraestrutura social de saúde, escola, transporte, cultura e lazer que funcione e acessível a todos."
Os rolezinhos nos acusam: somos uma sociedade injusta e segregacionista
Leonardo Boff - 23/01/2014

O fenômeno dos centenas de rolezinhos que ocuparam shoppings centers no Rio e em São Paulo suscitou as mais disparatadas interpretações. Algumas, dos acólitos da sociedade neoliberal do consumo que identificam cidadania com capacidade de consumir, geralmente nos jornalões da mídia comercial, nem merecem consideração. São de uma indigência analítica de fazer vergonha.
Mas houve outras análises que foram ao cerne da questão como a do jornalista Mauro Santayana do JB on-line e as de três especialistas que avaliaram a irrupção dos rolês na visibilidade pública e o elemento explosivo que contém. Refiro-me à Valquíria Padilha, professora de sociologia na USP de Ribeirão Preto:”Shopping Center: a catedral das mercadorias”(Boitempo 2006), ao sociólogo da Universidade Federal de Juiz de Fora, Jessé Souza,”Ralé brasileira: quem é e como vive (UFMG 2009) e de Rosa Pinheiro Machado, cientista social com um artigo”Etnografia do Rolezinho”no Zero Hora de 18/1/2014. Os três deram entrevistas esclarecedoras.

Eu por minha parte interpreto da seguinte forma tal irrupção:

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O sistema financeiro, espécie de governo invisível da sociedade, rejeita a reeleição de Dilma. A banca considera que a ação do Estado, que por exemplo criou cerca de 14 milhões de empregos desde o início da crise mundial, compromete a eficiência do livre mercado!

Pesquisa feita com duas dezenas de expressivos dirigentes dessa constelação, ao abrigo do anonimato, como manda  o ofício, constata que o ‘Setor financeiro quer mudança no Planalto’, informa o jornal Valor Econômico desta 3ª feira.

"O governo invisível acha que o governo Dilma atrapalha o seu sistema viário - ainda que longe de comprometer o valor corrigido e real da frota, como atestam as taxas de juros do país, entre as três mais altas do mundo."

"Seis anos após o colapso de 2008 da ordem neoliberal, a OIT informa que existe um estoque de  202 milhões de desempregados no mundo  (62 milhões adicionados pela crise); 839 milhões de trabalhadores vivem com menos de US$ 2/dia e 48% do emprego atual é precário.
Vai piorar: espera-se um acréscimo  de mais 13 milhões de demitidos à legião disponível até 2018.
 O Brasil  criou cerca de 14 milhões de empregos desde o início da crise mundial  (sendo 1,1 milhão no ano passado, saldo carimbado como um fracasso pelo jornalismo isento).
 Os bancos preferem o modelo de  estabilidade espanhol: 26% de taxa de desemprego."


O governo invisível não quer Dilma
Saul Leblon - Editorial Carta Maior

Desde o início da crise, em seis anos de colapso neoliberal, o Brasil criou cerca de 14 milhões de empregos - sendo 1,1 milhão no ano passado.

A expressão ‘siga o dinheiro’, comum em filmes policiais, ilustra a percepção correta, adiantada por Adam Smith, de que a moeda desenha estradas invisíveis na sociedade.

Rastreando-as é possível desvendar aquilo que não se oferece imediatamente à vista.

Pelos caminhos do dinheiro circulam desde carregamentos lícitos, como safras, a armamentos, sonegações fiscais, drogas, favores políticos e outras miunças.

Os bancos são o entreposto de serviços desse trânsito.

Ademais de concederem abrigo seguro e rentável ao fluxo –eventualmente lavá-lo das marcas do caminho-- tem o poder de gerar e direcionar novos volumes de tráfego, em emissões de crédito desdobradas da carga ociosa em seus depósitos.

Esse notável replicador conecta-se a outros entroncamentos por onde o dinheiro graúdo viaja em primeiro classe, engordando sua existência (às vezes acometida de emagrecimentos súbitos causados pela gula tóxica).

O conjunto forma o que se chama de sistema financeiro.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Saia Justa no Manhattan Connection. Diogo Mainardi paga mico na Globo News debatendo economia com Luiza Trajano presidente da Magazine Luiza.

"Antes de prosseguir, devo dizer que esse programa praticou uma covardia. Não se coloca para debater economia pessoas que não têm o mesmo preparo.
Detalhe: a covardia foi com Mendes, Amorim, Blinder e Mainardi."

Diogo Mainardi paga mico na Globo News
Eduardo Guimarães - Blog da Cidadania - 21/01/2014

Espalhou-se pela internet entrevista que a empresária paulista Luiza Helena Trajano Inácio Rodrigues, atual presidente da rede de varejo Magazine Luiza, concedeu ao programa Manhattan Connection, da Globo News, e que foi ao ar na noite do último domingo.
Para o apresentador Lucas Mendes, a empresária é “Simplesmente Luiza”, pois “Assim ela é tratada pela presidente Dilma Rousseff e pelos próprios faxineiros” – supõe-se que de sua empresa.
Mendes qualificou Luiza como “Um fenômeno do comércio brasileiro pelas vendas e pela gestão” e, em sua primeira pergunta a ela, deu ao telespectador a impressão de que tinha diante de si um tipo raro de empresária, o tipo otimista.
Atente para a pergunta de Mendes, leitor. Deixa clara a razão pela qual a empresária foi convidada para um programa cujo objetivo, há anos, tem sido espalhar pessimismo com o Brasil.
Lucas Mendes: “Você não esconde seu otimismo pelo Brasil, nem pela outra presidente, e diz que a culpa desse pessimismo é nossa, da imprensa. Eu acho que esse economista sentado aí do seu lado discorda”.
Uau! Pensei que sobreviria um massacre. Até porque, Luiza é uma mulher de modos simples. Tem aquele sotaque meio caipira do interior paulista, fala um português coloquial, pois, apesar de ter nascido na capital, sua mãe – também Luiza, de quem herdou o negócio – fundou em Franca, interior de São Paulo, a primeira loja da rede que a filha edificaria.
O tal economista que parecia que iria demolir as posições de Luiza foi o também apresentador do programa Ricardo Amorim. Porém, a expectativa se frustrou. Perguntou apenas se o seu colega Caio Blinder, que na semana passada dissera que “O varejo brasileiro está em crise”, tinha razão.
Luiza, obviamente, disse que não. Citou dados do IDV (Instituto de Desenvolvimento do Varejo). Segundo o instituto, o comércio varejista brasileiro cresceu 5,9% em 2013 e só as redes de lojas vinculadas a esse instituto geraram 631 mil empregos.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Leonardo Boff. O Tempo da Grande Transformação e da Corrupção Geral. Os efeitos socioambientais desastrosos dessa mercantilização de tudo. Não há alternativa: ou mudamos ou pereceremos porque os nossos bens materiais não nos salvarão. A economia transformada num “deus salvador” de todos os problemas.

"Aqui cabe recordar as palavras proféticas de Karl Marx em 1847 Na miséria da filosofia:
”Chegou, enfim, um tempo em que tudo o que os homens haviam considerado inalienável se tornou objeto de troca, de tráfico e podia vender-se. O tempo em que as próprias coisas que até então eram co-participadas mas jamais trocadas; dadas, mas jamais vendidas; adquiridas mas jamais compradas – virtude, amor, opinião, ciência, consciência etc –em que tudo passou para o comércio. O tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de economia política, o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, uma vez tornada valor venal é levada ao mercado para receber um preço, no seu mais justo valor”.. "
O Tempo da Grande Transformação e da Corrupção Geral
Leonardo Boff - 18/01/2014

Normalmente as sociedade se assentam sobre o seguinte tripé: na economia que garante a base material da vida humana para que seja boa e decente; na política pela qual se distribui o poder e se montam as instituições que fazem funcionar a convivência social; a ética que estabelece os valores e normas que regem os comportamentos humanos para que haja justiça e paz e que se resolvam os conflitos sem recurso à violência. Geralmente a ética vem acompanhada por uma aura espiritual que responde pelo sentido último da vida e do universo, exigências sempre presentes na agenda humana.
Estas instâncias se entrelaçam numa sociedade funcional, mas sempre nesta ordem: a economia obedece a política e a política se submete àética.

Mas a partir da revolução industrial no século XIX, precisamente, a partir de 1834, a economia começou na Inglaterra a se descolar da política e a soterrar a ética. Surgiu uma economia de mercado de forma que todo o sistema econômico fosse dirigido e controlado apenas pelo mercado livre de qualquer controle ou de um limite ético.

A marca registrada deste mercado não é a cooperação mas a competição, que vai além da economia e impregna todas a relaçõe humanas. Mais ainda criou-se, no dizer de Karl Polanyi, ”um novo credo totalmente materialista que acreditava que todos os problemas poderiam ser resolvidos por uma quantidade ilimitda de bens materiais”(A Grande Transformação, Campus 2000, p. 58). Esse credo é ainda hoje assumido com fervor religioso pela maioria doseconomistas do sistema imperante e, em geral, pelas políticas públicas.

A partir de agora, a economia funcionará como o único eixo articulador de todas as instâncias sociais. Tudo passará pela economia, concretamente, pelo PIB. Quem estudou em detalhe esse processo foi o filósofo e historiador da economia já referido, Karl Polanyi (1866-1964), de ascendência húngara e judia e mais tarde convertido ao cristianismo de vertente calvinista. Nascido em Viena, atuou na Inglaterra e depois, sob a pressão macarthista, entre o Toronto no Canadá e a Universidade de Columbia nos USA. Ele demonstrou que “em vez de a economia estar embutida nas relações sociais, são as relações sociais que estão embutidas no sistema econômico”(p. 77). Então ocorreu o que ele chamou A Grande Transformação: de uma economia de mercado se passou a uma sociedade de mercado.

Em consequência nasceu um novo sistema social, nunca anteshavido, onde a sociedade não existe, apenas os indivíduos competindo entre si, coisa que Reagan e Thatscher irão repetir à saciedade. Tudo mudou pois tudo, tudo mesmo, vira mercadoria. Qualquer bem será levado ao mercado para ser negociado em vista do lucro individual: produtos naturais, manufaturados, coisas sagradas ligadas diretamente à vida como água potável, sementes, solos, órgãos humanos. Polanyi não deixa de anotar que tudo isso é “contrário à substância humana e natural das socidades”. Mas foi o que triunfou especialmente no após-guerra. O mercado é “um elemento útil, mas subordinado à uma comunidade democrática” diz Polanyi. O pensador está na base da “democracia econômica”.

Aqui cabe recordar as palavras proféticas de Karl Marx em 1847 Na miséria da filosofia: ”Chegou, enfim, um tempo em que tudo o que os homens haviam considerado inalienável se tornou objeto de troca, de tráfico e podia vender-se. O tempo em que as próprias coisas que até então eram co-participadas mas jamais trocadas; dadas, mas jamais vendidas; adquiridas mas jamais compradas – virtude, amor, opinião, ciência, consciência etc –em que tudo passou para o comércio. O tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de economia política, o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, uma vez tornada valor venal é levada ao mercado para receber um preço, no seu mais justo valor”..

Os efeitos socioambientais desastrosos dessa mercantilização de tudo, os estamos sentindo hoje pelo caos ecológico da Terra. Temos que repensar o lugar da economia no conjunto da vida humana, especialmente face aos limites da Terra. O individualismo mais feroz, a acumulação obsessiva e ilimitada enfraquece aqueles valores sem os quais nenhuma sociedade pode se considerar humana: a cooperação, o cuidado de uns para com os outros, o amor e a veneração pela Mãe Terra e a escuta da consciência que nos incita para bem de todos.

Quando uma sociedade se entorpeceu como a nossa e por seu crasso materialismo se fez incapaz de sentir o outro como outro, somente enquanto eventual produtor e consumidor, ela está cavando seu próprio abismo. O que disse Chomski há dias na Grécia (22/12/2013) vale como um alerta:”aqueles que lideram a corrida para o precipício são as sociedades mais ricas e poderosas, com vantagens incomparáveis como os USA e o Canadá. Esta é a louca racionalidade da ‘democracia capitalista’ realmente existente.”

Agora cabe a retorção ao There is no Alternative (TINA): Não há alternativa: ou mudamos ou pereceremos porque os nossos bens materiais não nos salvarão. É o preço letal por termos entregue nosso destino à ditadura da economia transformada num “deus salvador” de todos os problemas.

Com o economista e educadorMarcos Arruda escrevemos Globalização:desafios socioeconômicos, éticos e educacionais,Vozes 2001.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Almofadinhas, coxinhas e mauricinhos: fujam para Miami. Os bárbaros chegaram. A turma do fundão da classe chegou ao pátio; chegou aos condomínios; chegou aos aeroportos e agora quer invadir os shoppings!

"Não nos resta outra alternativa se não viajar até um país civilizado, espécie de América Latina que deu certo, para nos sentir civilizados. É necessário ficar longe da baderna toda para ser reconhecido, para dar autógrafo a outros almofadinhas em um lugar limpo e livre dos incapazes de reconhecer a própria inferioridade - sem inveja da civilização porque está no coração da civilização. Um lugar onde, enfim, podemos exercer nosso direito à almofadagem em paz."

Almeidinha: "Fujam para Miami. Os bárbaros chegaram"
Todo mundo sabe como devemos nos comportar no shopping: como bons almofadinhas. Lugar de baderna é baile funk
Por Matheus Pichonelli - CartaCapital - 15/01/2014


Vou confessar uma coisa: não estou acostumado com a fama. Mas ser astro das redes sociais e ter dado entrevista em programa de apresentador misógino de tevê fizeram de mim um rosto conhecido nos lugares onde a civilização já chegou. Por exemplo. Durante as férias, andava pelas ruas de Miami, onde posso comprar por um preço civilizado um perfume que no Brasil é vendido com taxas e impostos de odores bárbaros, quando fui reconhecido por um fã:
-Oi, você não é aquele almofadinha da internet?


A expressão soou como um sopro quentinho de um leite com pera no inverno: estava em casa.

Um almofadinha reconhece o outro pelo olhar: e o meu, em evidência, atravessou a fronteira. Sim: é bom sentir essa sensação. E é bom saber que somos muitos.

Não confundam “rolezinhos” com “black blocs”. "Espero ver jovens pobres e de baixa instrução mostrar o que os filhos da elite foram incapazes em suas “jornadas” de 2013".

Não confundam “rolezinhos” com “black blocs”
Eduardo Guimarães - Blog da Cidadania - 15/01/2014
 O fenômeno social “rolezinho” já ameaça se equiparar em importância política às “jornadas de junho” – como se convencionou chamar o movimento de classes média e alta que se espraiou pelo país no ano passado a partir de São Paulo e que levou centenas de milhares de pessoas às ruas por todo país sob a desculpa dos aumentos das passagens do transporte público.
Ao longo das últimas semanas e, sobretudo, dos últimos dias começaram a surgir análises de todos os matizes sobre o fenômeno. Algumas mais profundas e relevantes, outras rasas, burras, preconceituosas.
Com efeito, há hoje um “rolezinho” para cada gosto nas cabeças dos mais diversos analistas.
Em primeiro lugar, vamos acabar com essa história de que haveria qualquer similitude entre os garotos e garotas pobres, em maioria negros e mulatos e oriundos de bairros da periferia de São Paulo e os grupos que foram às ruas praticar quebra-quebras no ano passado.
Pesquisa Datafolha feita no auge das manifestações de junho de 2013 traçou o perfil dos manifestantes. A maioria tinha entre 21 e 35 anos (63%) e ensino superior (78%). Os do “rolezinho” são adolescentes, não usam máscaras do revolucionário inglês Guy Fawkes e não usam roupas de grife propositalmente esfarrapadas, ao estilo bicho-grilo chique.
Outra diferença: esse movimento desorganizado, espontâneo de adolescentes pobres da periferia não é manipulado por partidos, não tem lideranças como as moças e rapazes branquinhos, universitários e de classe média e alta do Movimento Passe Livre que esnobaram políticos que com eles tentaram conversar, como Dilma e Fernando Haddad. E, o que é mais importante, não fizeram uso político das suas movimentações.
Ninguém viu cartazes contra políticos ou contra Propostas de Emenda Constitucional (PECs) com os garotos do “rolezinho”. E é de duvidar que em próximas incursões esses cartazes apareçam.
Além disso, não houve e não haverá nesse movimento os grupos neonazistas que espancaram militantes da CUT e do PT que se aventuraram nas “jornadas” de junho e que delas foram expulsos por eles.
Alguns temem que “black blocs” se infiltrem nos “rolezinhos”. Não creio. Em primeiro lugar porque, se isso ocorrer, acabarão com o movimento. A garotada vai se recolher. Apesar de gritar, cantar, dançar, esses meninos e meninas têm medo de infringir a lei. E têm sido pacíficos. Pobre mesmo não brinca com as forças de repressão do Estado.
Não houve enfrentamentos entre a garotada da periferia e a PM. Foram reprimidos, mas não atiraram coquetéis Molotov, não depredaram patrimônio público e privado e se danos houve foi por conta da truculência policial, que gerou correria.
Por conta disso, as reações dos reacionários já se fazem presentes. Os colunistas da Veja e de outros veículos da mídia reacionária e tucana já se mobilizam para criminalizar os garotos. E a mesma Justiça que permaneceu hibernando quando os filhos das classes média e alta demonstravam sua selvageria agora investe contra a pobreza.
A virulência das críticas da grande mídia aos “rolezinhos”, pois, começa a crescer. Até aqui, o prêmio foi para o colunista da Veja Rodrigo Constantino. Em seu blog, atacou os garotos com toda a sua impressionante mediocridade e com sua burrice cavalar. Abaixo, trecho do post em que ataca o movimento.
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“(…) Não toleram as “patricinhas” e os “mauricinhos”, a riqueza alheia, a civilização mais educada. Não aceitam conviver com as diferenças, tolerar que há locais mais refinados que demandam comportamento mais discreto, ao contrário de um baile funk. São bárbaros incapazes de reconhecer a própria inferioridade, e morrem de inveja da civilização (…) Os “rolezinhos” da inveja precisam ser duramente repreendidos e punidos. Caso contrário, será a vitória da barbárie sobre a civilização (…)”
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Brasil, um país em que a polícia e a justiça se originaram na Santa Inquisição e nos Capitães do Mato. Um país com a polícia que mais mata no mundo e que boa parte da população acha que a violência deve ser combatida na base do “olho por olho, dente por dente”.

A BALANÇA E A CHIBATA
 Mauro Santayana - 14/01/2014 -

Nos últimos dias, pela enésima vez - quem não se lembra do massacre do Carandiru? - a situação das prisões brasileiras foi manchete na internet e nos mais importantes jornais do mundo.

Junto aos textos, as imagens dos cadáveres decapitados de Pedrinhas, no Maranhão, e a informação de que a cada dois dias - sob a guarda do Estado - um prisioneiro é assassinado no Brasil.
Cenas do filme CARANDIRU - 2003

Os números não se referem aos que são espancados por outros presos ou agentes e policiais. Ou aos que falecem devido a enfermidades - muitas delas contagiosas - que se espalham como peste nas celas superlotadas. Ou aos que são feridos quando detidos e morrem por falta de assistência médica ou remédios.
Em boa parte do mundo, a primeira preocupação de um condenado é contar quantos dias, meses e anos faltam para a sua liberdade.

No Brasil, a não ser que seja o “xerife” ou faça parte de alguma facção - o que não é garantia de nada, como se viu no Maranhão - a primeira preocupação de um preso é evitar, minuto a minuto, ser espancado, estuprado ou assassinado por seus colegas de cela.

Ele não poderá jamais, mesmo se tivesse espaço para isso, dormir tranqüilo. E da sua relação com os agentes penitenciários, dependerá, a cada momento, seu futuro.

Uma simples transferência de cela ou de galeria feita, a qualquer instante, pelo carcereiro de plantão, pode representar a diferença entre vida e morte, relativa integridade física e uma surra de criar bicho, ou algo muito pior.

Isso, considerando-se que esse indivíduo tem grande chance de ser preso provisório, que, sem culpa oficialmente formada, está aguardando julgamento, às vezes por meses ou anos.