quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Gabriel Priolli: "seria bom que não precisássemos aguardar uma nova ditadura, para a mídia tradicional renunciar ao pensamento único e voltar a acolher as múltiplas visões políticas dos jornalistas"

Afirmando o indizível
Gabriel Priolli - Portal Imprensa - 26/08/2015

De tudo que li no último mês, nada me angustiou tanto como o texto de despedida de Luciano Martins Costa, que encerrou uma colaboração de oito anos com o Observatório da Imprensa. Olha que não faltam leituras angustiantes, neste país que cultiva tanto a autoflagelação. Mas a do Luciano me pegou na veia.

O que terá dito ele de tão grave? Reproduzo o trecho: “Os motivos que levam à interrupção desta jornada são muitos (...), mas há uma causa que não pode ser ignorada: não há muito mais o que se analisar na mídia informativa brasileira.” (grifo meu). E por que não há? “Os principais veículos da imprensa se transformaram em panfletos políticos e vasculhar o noticiário em busca de jornalismo que valha uma referência tem sido como buscar um fio de cabelo no palheiro.”

Esse é também um sentimento meu e de muitos colegas. Um sentimento de frustração, por ver a atividade imersa numa crise que é, por um lado, decorrente de mudanças no ambiente tecnológico. De outro, resultante da situação econômica do país. E de outro ainda, como aponta Luciano, fruto de um processo incontrolável de partidarização e militância dos veículos.

As facetas tecnológicas e econômicas da crise, até que todos nós conseguimos debater. Elas são noticiadas e analisadas em muitos veículos, de cores e orientações distintas, e há incentivo para que sejam discutidas pelos jornalistas, pelos anunciantes, pela sociedade em geral. Mas não é o caso, infelizmente, da terceira faceta.

Para começar, a imprensa tradicional não admite a premissa de Luciano. Julga que é tão isenta, apartidária e plural como sempre foi – e não adianta lembrar-lhe que raramente ela o foi, embora tenha sido, em boa medida, durante os anos de luta contra a ditadura militar (que ela apoiou e que a decepcionou). Partidários, para os jornalões e as mídias caudatárias deles, são apenas os portais, as revistas e os blogs de esquerda (ou nem isso, apenas simpáticos aos governos de Lula e Dilma). Se não aceita a premissa, a imprensa tradicional não faz autocrítica e não publica nada sobre a cisão política no jornalismo brasileiro de hoje.

Muito menos acolhe qualquer debate do tema. Não informa o público que a animosidade entre os jornalistas é crescente e provém exatamente da partidarização dos veículos e da triagem ideológica nas redações, que eliminou o dissenso. Já temos até colegas votando pela redução do piso salarial da categoria, no Rio de Janeiro, porque confiam mais no patronato do que em outros colegas, de orientação política distinta, que presidem o sindicato local e conduzem a luta trabalhista.

Nada contra debater qualquer outro tema da profissão. Mas seria bom que não precisássemos aguardar uma nova ditadura, para a mídia tradicional renunciar ao pensamento único e voltar a acolher as múltiplas visões políticas dos jornalistas, que se defrontam, naturalmente, numa democracia.

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