Maíra Kubík Mano - CartaCapital - Território de Maíra - 28 de Setembro de 2013
Hoje, 28/09, é o dia latino-americano pela descriminalização do aborto e atos e protestos em diversas cidades vão lembrar o que ninguém deveria esquecer: que a interrupção voluntária da gravidez é uma realidade no Brasil e uma questão de saúde pública.
De acordo com dados do SUS (Sistema Único de Saúde), mais de um milhão de mulheres recorrem ao aborto voluntário anualmente em nosso país e boa parte deles é feita em condições precárias de higiene. Apenas aquelas que possuem recursos financeiros conseguem ter acesso a clínicas especializadas e podem pagar não só pelo tratamento médico, mas também pelo silêncio.
De acordo com dados do SUS (Sistema Único de Saúde), mais de um milhão de mulheres recorrem ao aborto voluntário anualmente em nosso país e boa parte deles é feita em condições precárias de higiene. Apenas aquelas que possuem recursos financeiros conseguem ter acesso a clínicas especializadas e podem pagar não só pelo tratamento médico, mas também pelo silêncio.
Cálculos da OMS (Organização Mundial de Saúde) indicam que a taxa de mortalidade em decorrência de abortos induzidos varia de 0,2 a 1,2 mortes a cada 100 mil abortos nos países onde a prática é legalizada – ou seja, segura. Naqueles onde não é, o número sobe para 330 mortes a cada 100 mil abortos.
Adaptando um pouco essa conta: se o aborto é um fato cotidiano no Brasil e possui duas modalidades que dependem diretamente da renda da pessoa – a segura e a insegura, não é difícil concluir que estamos condenando à morte as mulheres pobres.
Reproduzo abaixo uma matéria que escrevi à época da campanha presidencial de 2010 e que continua absolutamente atual. Somos todas clandestinas.
Tabu no Brasil, aborto é menos restrito na maioria dos países
Estamos em um país sul-americano colonizado por europeus católicos. Nação que sofreu com uma ditadura sangrenta e só anos depois, com a democracia já instaurada, assistiu aos generais responsáveis por dizimar a esquerda armada serem julgados e condenados. Em seguida, e não sem grande polêmica, seu Senado aprovou o casamento gay. Agora, a próxima pauta em discussão é a descriminalização do aborto.
O país colonizado a que se refere o parágrafo não é o Brasil. Diz respeito à Argentina. Nesse mesmo mês de outubro de 2010, enquanto nossos vizinhos iniciam um debate com chances reais de legalizar interrupções voluntárias de gravidez (IVG), assistimos aqui ao oposto, com a perseguição a quem defende tal posicionamento. Que o digam os candidatos à Presidência do Brasil José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), cujas campanhas buscam dissociá-los de qualquer ação pró-aborto. Afinal, qual a explicação para tamanha discrepância, em países tão próximos, geográfica e historicamente?
“Durante os últimos anos, e devido principalmente ao trabalho incansável do movimento de mulheres, a opinião pública mudou”, analisou a advogada argentina Susana Chiarotti, co-autora do livroRealidades y coyunturas del aborto – entre el derecho y la necesidad (Realidades e conjunturas do aborto – entre o direito e a necessidade, sem tradução para o português), que cita o Brasil como um exemplo de retrocesso.
O caso narrado é episódio em 2004, quando, durante quatro meses, foi possível realizar abortos de fetos anencéfalos, ou seja, que não tiveram a formação neurológica correta e não conseguiriam sobreviver fora do útero. A autorização foi possível graças a uma ação ajuizada naquele ano pela CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde), que alegou ofensa à dignidade humana da mãe, prevista no artigo 5º da Constituição Federal. Na ocasião, o STF (Supremo Tribunal Federal) brasileiro entendeu que era preciso antes validar o mérito do instrumento utilizado pela CNTS, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, o que ocorreu em 2005. Desde então, a ação aguarda julgamento do Supremo.
Se aprovar a descriminalização do aborto sem pressupostos, a Argentina se somará a outros 56 países do mundo que adotam essa prática – variável a depender do tempo limite de gestação para realizar a prática. Além deles, 37 nações admitem IVGs por motivos econômicos ou de saúde mental e mais 36 aceitam a interrupção para preservar a saúde física da mulher, de uma maneira mais ampla – grupo ao qual os argentinos já fazem parte, com destaque para a legislação da província de Buenos Aires.
No caso de Estados Unidos, México e Austrália, a legislação nacional dá ampla liberdade para o aborto, mas os estados da federação podem limitá-lo ou até mesmo proibi-lo. No total, são 93 Estados que, de forma menos restritiva, descriminalizaram o aborto, de acordo com os dados da associação Reproductive Rights. Algo em torno de 74,3% da população mundial.
Do outro lado dessa conta está o Brasil e outros 67 países que proíbem completamente a prática ou abrem uma exceção bastante limitada, como em caso de risco extremo para a vida da mãe e de estupro. Estes somam 25,7% dos habitantes do planeta, a maioria na África, América Latina e no mundo islâmico.
“Especialmente nos países da América Latina há uma influência muito forte do catolicismo Existe um movimento conservador em torno dos temas dos direitos reprodutivos e o Brasil não fica atrás. Temos uma bancada de parlamentares que se diz em defesa da vida, mas só estanca o debate e tenta retroceder naqueles pontos onde o aborto já foi aprovado, ou seja, em caso de estupro e risco de vida”, afirmou Rosângela Dualib, da associação Católicas pelo Direito de Decidir, que atua na Europa e na América.
Novas perspectivas
Entre os que recentemente modificaram a legislação favoravelmente ao aborto está a Espanha. Desde fevereiro deste ano, o país, de forte tradição católica, mas laico, autoriza a interrupção da gravidez até a 14ª semana, sem qualquer restrição, e até a 22ª condicionada à risco à vida da gestante ou má formação fetal. A grande novidade, porém, ficou por conta da permissão de jovens entre 16 e 18 anos, consideradas menores de idade, a interromperem voluntariamente a gravidez sem consentimento dos pais. O ponto foi um dos mais ressaltados nos protestos contrários à aprovação da lei.
No vizinho e igualmente devoto Portugal, a alteração ocorreu há três anos, referendada por plebiscito popular em que a descriminalização do aborto obteve 59% de aprovação. A diferença para a Espanha ficou justamente na notificação parental de adolescentes, ainda obrigatória. Apenas entre 2008 e 2009, cerca de 39 mil abortos foram feitos legalmente no país.
A lei portuguesa se assemelha também a de outro país próximo onde o aborto já é uma realidade há quase cinco décadas: a França. Em ambos, há um tempo mínimo obrigatório para refletir sobre a decisão a partir do atendimento inicial dado à mulher pelo sistema público de saúde. Quem optar por interromper uma gravidez recebe apoio psicológico e social para lidar com a situação.
Associado a isso está a disseminação de políticas de planejamento familiar e prevenção de gravidez, que recebem bastante ênfase (e verbas) na Europa. De acordo com Anne Daguerre, pesquisadora associada da Sciences Po, em Paris, “a Holanda é o melhor exemplo de uma política empreendedora em matéria de educação sexual e acesso aos contraceptivos: 75% das holandesas de 15 a 44 anos utilizam algum método moderno para evitar a gravidez. Como consequência, a taxa de abortos no país é uma das mais reduzidas da Europa: oito em cada mil gestações. As IVGs são praticadas em clínicas especializadas, por médicos altamente qualificados. E o atendimento conta com a cobertura integral de uma empresa pública de seguros.”
De fato, uma pesquisa feita em 2007 pela OMS (Organização Mundial da Saúde) demonstra que nos países onde o aborto é permitido por lei, o número de procedimentos tende a cair – com exceção de Cuba e do Vietnã, onde o acesso a métodos contraceptivos é bastante restrito. “A prática tem mostrado que, nos países onde o aborto é legalizado, há um crescimento inicial, pela demanda reprimida, e depois isso se estabiliza e há uma diminuição subsequente. Isso porque as mulheres que passaram por um aborto já saem dos sistemas de saúde com um método contraceptivo adequado, escolhido a partir das informações que recebeu nessas instituições”, afirmou Rosângela Dualib.
Segundo ela, esses dados vão contra discurso propagado recentemente no Brasil, que tende a ver a interrupção voluntária da gravidez como uma forma de prevenção, e não de remediar uma situação indesejada. “Nenhuma mulher passa incólume física e psicologicamente por uma experiência dessas. Dizer que as mulheres vão eleger isso como método contraceptivo é uma falácia. A taxa tende a diminuir”, completou.
Nos cálculos do SUS (Sistema Único de Saúde), cerca de um milhão de abortos inseguros são realizados anualmente no Brasil; uma em cada cinco mulheres já teria recorrido à prática ao menos uma vez em sua vida, sendo a maioria delas casada, com mais de 18 anos e identificada com alguma religião. Uma realidade que bate à porta de todos.
Como fruto da Conferência Mundial de Direitos Humanos, celebrada em Viena em 1993, foi reconhecido que os direitos das mulheres são também direitos humanos e que os países deveriam garantir uma atenção adequada à sua saúde, assim como ao planejamento familiar.
De maneira complementar, desde 1994, após a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada no Cairo, os membros da ONU (Organização das Nações Unidas) reconhecem como direitos humanos aqueles relacionados à reprodução e à sexualidade.
Em 1995, durante a IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, o Desenvolvimento e a Paz, realizada em Pequim, foi firmada uma Plataforma para a Ação, onde os Estados afirmam que “a capacidade de as mulheres controlarem sua própria fecundidade constitui uma base fundamental para desfrutar outros direitos”. No texto final, pede-se aos países que atentem para “a possibilidade de re visar as legislações que prevêem medidas punitivas contra as mulheres que fizeram abortos ilegais”.
Além disso, “levando em consideração que o aborto inseguro é uma grave ameaça à vida e à saúde da mulher”, propôs-se, como objetivo estratégico, “promover pesquisas dedicadas a compreender e encarar com mais eficácia as condições que determinam o aborto induzido e suas conseqüências, incluindo efeitos futuros na fecundidade, saúde reprodutiva e mental e na prática contraceptiva”.
Mortalidade da mulher
Segundo cálculos da OMS (Organização Mundial de Saúde), a taxa de mortalidade devida a abortos induzidos varia de 0,2 a 1,2 mortes a cada 100 mil abortos nos países onde a prática é legalizada; naqueles onde não é, o número sobe para 330 mortes a cada 100 mil abortos. Cerca de 13% das aproximadamente 600 mil mortes por ano de mulheres relacionadas à gestação e ao parto ocorrem em decorrência de abortos inseguros, ou seja, sem recursos mínimos de higiene e assistência capacitada.
Paralelamente a essas discussões foi criada, em 1998, a Corte Penal Internacional, com o objetivo de julgar indivíduos acusados de violar os acordos internacionais. Em seu estatuto está a questão da gravidez forçada, que é considerada um crime de lesa humanidade e um crime de guerra junto com a violência, a escravidão sexual, a prostituição forçada, a esterilização forçada e outros tipos de abusos sexuais tão graves quanto.
Em 16 de setembro de 2010, a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, foi nomeada para coordenar a recém-criada ONU Mulher, uma espécie de “superagência” das Nações Unidas que reunirá as quatro já existentes relacionadas ao tema (o Fundo para o Desenvolvimento da Mulher – Unifem, a Divisão da ONU para o Avanço da Mulher, o Instituto Internacional de Pesquisas e Capacitação para a Promoção da Mulher e o Escritório Especial em Assuntos de Gênero).
A nomeação foi recebida positivamente por grupos pró-aborto e vista como uma possibilidade para avançar na discussão sobre sua descriminalização. Ainda que o Chile tenha uma das legislações mais proibitivas do mundo, não aceitando nenhuma exceção às interrupções voluntárias de gestações, quando presidente Bachelet apoiava a chamada “pílula do dia seguinte”, que previne a gravidez até 72 horas após o sexo sem proteção.
O país colonizado a que se refere o parágrafo não é o Brasil. Diz respeito à Argentina. Nesse mesmo mês de outubro de 2010, enquanto nossos vizinhos iniciam um debate com chances reais de legalizar interrupções voluntárias de gravidez (IVG), assistimos aqui ao oposto, com a perseguição a quem defende tal posicionamento. Que o digam os candidatos à Presidência do Brasil José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), cujas campanhas buscam dissociá-los de qualquer ação pró-aborto. Afinal, qual a explicação para tamanha discrepância, em países tão próximos, geográfica e historicamente?
“Durante os últimos anos, e devido principalmente ao trabalho incansável do movimento de mulheres, a opinião pública mudou”, analisou a advogada argentina Susana Chiarotti, co-autora do livroRealidades y coyunturas del aborto – entre el derecho y la necesidad (Realidades e conjunturas do aborto – entre o direito e a necessidade, sem tradução para o português), que cita o Brasil como um exemplo de retrocesso.
O caso narrado é episódio em 2004, quando, durante quatro meses, foi possível realizar abortos de fetos anencéfalos, ou seja, que não tiveram a formação neurológica correta e não conseguiriam sobreviver fora do útero. A autorização foi possível graças a uma ação ajuizada naquele ano pela CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde), que alegou ofensa à dignidade humana da mãe, prevista no artigo 5º da Constituição Federal. Na ocasião, o STF (Supremo Tribunal Federal) brasileiro entendeu que era preciso antes validar o mérito do instrumento utilizado pela CNTS, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, o que ocorreu em 2005. Desde então, a ação aguarda julgamento do Supremo.
Se aprovar a descriminalização do aborto sem pressupostos, a Argentina se somará a outros 56 países do mundo que adotam essa prática – variável a depender do tempo limite de gestação para realizar a prática. Além deles, 37 nações admitem IVGs por motivos econômicos ou de saúde mental e mais 36 aceitam a interrupção para preservar a saúde física da mulher, de uma maneira mais ampla – grupo ao qual os argentinos já fazem parte, com destaque para a legislação da província de Buenos Aires.
No caso de Estados Unidos, México e Austrália, a legislação nacional dá ampla liberdade para o aborto, mas os estados da federação podem limitá-lo ou até mesmo proibi-lo. No total, são 93 Estados que, de forma menos restritiva, descriminalizaram o aborto, de acordo com os dados da associação Reproductive Rights. Algo em torno de 74,3% da população mundial.
Do outro lado dessa conta está o Brasil e outros 67 países que proíbem completamente a prática ou abrem uma exceção bastante limitada, como em caso de risco extremo para a vida da mãe e de estupro. Estes somam 25,7% dos habitantes do planeta, a maioria na África, América Latina e no mundo islâmico.
“Especialmente nos países da América Latina há uma influência muito forte do catolicismo Existe um movimento conservador em torno dos temas dos direitos reprodutivos e o Brasil não fica atrás. Temos uma bancada de parlamentares que se diz em defesa da vida, mas só estanca o debate e tenta retroceder naqueles pontos onde o aborto já foi aprovado, ou seja, em caso de estupro e risco de vida”, afirmou Rosângela Dualib, da associação Católicas pelo Direito de Decidir, que atua na Europa e na América.
Novas perspectivas
Entre os que recentemente modificaram a legislação favoravelmente ao aborto está a Espanha. Desde fevereiro deste ano, o país, de forte tradição católica, mas laico, autoriza a interrupção da gravidez até a 14ª semana, sem qualquer restrição, e até a 22ª condicionada à risco à vida da gestante ou má formação fetal. A grande novidade, porém, ficou por conta da permissão de jovens entre 16 e 18 anos, consideradas menores de idade, a interromperem voluntariamente a gravidez sem consentimento dos pais. O ponto foi um dos mais ressaltados nos protestos contrários à aprovação da lei.
A lei portuguesa se assemelha também a de outro país próximo onde o aborto já é uma realidade há quase cinco décadas: a França. Em ambos, há um tempo mínimo obrigatório para refletir sobre a decisão a partir do atendimento inicial dado à mulher pelo sistema público de saúde. Quem optar por interromper uma gravidez recebe apoio psicológico e social para lidar com a situação.
Associado a isso está a disseminação de políticas de planejamento familiar e prevenção de gravidez, que recebem bastante ênfase (e verbas) na Europa. De acordo com Anne Daguerre, pesquisadora associada da Sciences Po, em Paris, “a Holanda é o melhor exemplo de uma política empreendedora em matéria de educação sexual e acesso aos contraceptivos: 75% das holandesas de 15 a 44 anos utilizam algum método moderno para evitar a gravidez. Como consequência, a taxa de abortos no país é uma das mais reduzidas da Europa: oito em cada mil gestações. As IVGs são praticadas em clínicas especializadas, por médicos altamente qualificados. E o atendimento conta com a cobertura integral de uma empresa pública de seguros.”
De fato, uma pesquisa feita em 2007 pela OMS (Organização Mundial da Saúde) demonstra que nos países onde o aborto é permitido por lei, o número de procedimentos tende a cair – com exceção de Cuba e do Vietnã, onde o acesso a métodos contraceptivos é bastante restrito. “A prática tem mostrado que, nos países onde o aborto é legalizado, há um crescimento inicial, pela demanda reprimida, e depois isso se estabiliza e há uma diminuição subsequente. Isso porque as mulheres que passaram por um aborto já saem dos sistemas de saúde com um método contraceptivo adequado, escolhido a partir das informações que recebeu nessas instituições”, afirmou Rosângela Dualib.
Segundo ela, esses dados vão contra discurso propagado recentemente no Brasil, que tende a ver a interrupção voluntária da gravidez como uma forma de prevenção, e não de remediar uma situação indesejada. “Nenhuma mulher passa incólume física e psicologicamente por uma experiência dessas. Dizer que as mulheres vão eleger isso como método contraceptivo é uma falácia. A taxa tende a diminuir”, completou.
Nos cálculos do SUS (Sistema Único de Saúde), cerca de um milhão de abortos inseguros são realizados anualmente no Brasil; uma em cada cinco mulheres já teria recorrido à prática ao menos uma vez em sua vida, sendo a maioria delas casada, com mais de 18 anos e identificada com alguma religião. Uma realidade que bate à porta de todos.
Aborto ilegal é 300 vezes mais perigoso para a mulher
Como fruto da Conferência Mundial de Direitos Humanos, celebrada em Viena em 1993, foi reconhecido que os direitos das mulheres são também direitos humanos e que os países deveriam garantir uma atenção adequada à sua saúde, assim como ao planejamento familiar.
De maneira complementar, desde 1994, após a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada no Cairo, os membros da ONU (Organização das Nações Unidas) reconhecem como direitos humanos aqueles relacionados à reprodução e à sexualidade.
Em 1995, durante a IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, o Desenvolvimento e a Paz, realizada em Pequim, foi firmada uma Plataforma para a Ação, onde os Estados afirmam que “a capacidade de as mulheres controlarem sua própria fecundidade constitui uma base fundamental para desfrutar outros direitos”. No texto final, pede-se aos países que atentem para “a possibilidade de re visar as legislações que prevêem medidas punitivas contra as mulheres que fizeram abortos ilegais”.
Além disso, “levando em consideração que o aborto inseguro é uma grave ameaça à vida e à saúde da mulher”, propôs-se, como objetivo estratégico, “promover pesquisas dedicadas a compreender e encarar com mais eficácia as condições que determinam o aborto induzido e suas conseqüências, incluindo efeitos futuros na fecundidade, saúde reprodutiva e mental e na prática contraceptiva”.
Mortalidade da mulher
Segundo cálculos da OMS (Organização Mundial de Saúde), a taxa de mortalidade devida a abortos induzidos varia de 0,2 a 1,2 mortes a cada 100 mil abortos nos países onde a prática é legalizada; naqueles onde não é, o número sobe para 330 mortes a cada 100 mil abortos. Cerca de 13% das aproximadamente 600 mil mortes por ano de mulheres relacionadas à gestação e ao parto ocorrem em decorrência de abortos inseguros, ou seja, sem recursos mínimos de higiene e assistência capacitada.
Paralelamente a essas discussões foi criada, em 1998, a Corte Penal Internacional, com o objetivo de julgar indivíduos acusados de violar os acordos internacionais. Em seu estatuto está a questão da gravidez forçada, que é considerada um crime de lesa humanidade e um crime de guerra junto com a violência, a escravidão sexual, a prostituição forçada, a esterilização forçada e outros tipos de abusos sexuais tão graves quanto.
Em 16 de setembro de 2010, a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, foi nomeada para coordenar a recém-criada ONU Mulher, uma espécie de “superagência” das Nações Unidas que reunirá as quatro já existentes relacionadas ao tema (o Fundo para o Desenvolvimento da Mulher – Unifem, a Divisão da ONU para o Avanço da Mulher, o Instituto Internacional de Pesquisas e Capacitação para a Promoção da Mulher e o Escritório Especial em Assuntos de Gênero).
A nomeação foi recebida positivamente por grupos pró-aborto e vista como uma possibilidade para avançar na discussão sobre sua descriminalização. Ainda que o Chile tenha uma das legislações mais proibitivas do mundo, não aceitando nenhuma exceção às interrupções voluntárias de gestações, quando presidente Bachelet apoiava a chamada “pílula do dia seguinte”, que previne a gravidez até 72 horas após o sexo sem proteção.
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