sexta-feira, 30 de maio de 2014

O modus operandi do viralatismo brasileiro

O modus operandi do viralatismo brasileiro
Por Jornalismo Wando - 29/05/2014

"Só no Brasil mesmo""É por isso que esse país não vai pra frente!""Brasil-sil-sil-sil""o problema é o povinho brasileiro" - essas são as frases mais repetidas na busca por um diagnóstico dos problemas da nação. Não importa quem está no governo, não importa a situação do país, não importa nada. Falar mal de si e da terra natal é uma antiga paixão nacional do brasileiro. É o que Nelson Rodrigues chamava de "complexo de vira-lata" - "uma inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo".
Os momentos que antecedem a Copa do Mundo têm produzido chorumes com alto teor de viralatismo. Muita gente está preocupada com o que os gringos vão pensar de nós. E pra não nos envolvermos nessa roubada, nada como fugir das nossas responsabilidades e nos colocar como estrangeiros na hora de apontar nossas mazelas: "Só podia ser nesse país. Êta povinho, viu?!".
A marca de roupa Ellus também está indignada com esse paisinho que não vai pra frente. Ao lançar sua coleção primavera-verão, a empresa aproveitou a onda indignatória contra a Copa e lançou a campanha: "#protestoEllus: Abaixo Este Brasil Atrasado". A empresa sacou muito bem o espírito do momento e, com um senso de oportunidade huckeano, resolveu vestir bem os portadores do complexo de vira-latas que se espalham pelo país.

Apesar da indignação contra "esse Brasil atrasado", a Ellus não pensou duas vezes antes de utilizar mão de obra escrava nas suas confecções, como apontou o Ministério Público. É um tipo de viralatismo que late contra a injustiça social em público, mas escraviza seus trabalhadores em privado. O atraso da Ellus é tão grande que ela ainda está no século XIX, em plena época da escravatura.
Mas a literatura do viralatismo nacional é farta. Os inúmeros problemas ocorridos durante a construção dos estádios foram martelados pelos noticiários e jogados na conta da nossa brasilidade. Acompanhamos uma exaltação diária dos nossos fracassos com os inúmeros problemas decorrentes das obras: atrasos, morte de operários, valores muito acima do previsto, processos e problemas de infraestrutura. "Ah, só podia ser no Brasil mesmo!". Mas basta prestar um pouquinho mais de atenção ao redor do mundo, que descobrimos que essas coisas acontecem nas melhores famílias:

A reconstrução de Wembley teve inúmeros atrasos, a morte de um operário, canos de abastecimento entupidos e um valor final da obra equivalente a dois Marcanãs. Exemplos como esse pipocam pelo mundo. Parece que nem tudo "é coisa nossa".
Essa semana surgiu um blog que responde todo comentário complexado com uma notícia publicada na imprensa, provando que não somos detentores do monopólio das desgraças. É o "Só no Brazil". Confira algumas postagens:



É difícil saber de tudo o que acontece no mundo, mas nosso viralatismo faz com que tenhamos a absoluta convicção de que certas coisas só acontecem aqui.
O que não falta no Brasil é problema: violência, corrupção, desigualdade social, má qualidade dos serviços públicos. Mas o conformismo embutido no complexo de vira-lata nos impede de enxergar os avanços alcançados na árdua busca das soluções. Em 2000, ao analisar os principais problemas do mundo, a ONU estabeleceu 8 objetivos a serem cumpridos até 2015. Grande parte das metas já foi atingida antes do prazo e o Brasil vem sendo constantemente aplaudido pela ONU. De 1990 para cá, avançamos em todos os setores considerados importantes pela organização.
A Copa deveria servir como vitrine de um país empenhado em resolver seus problemas, e não como Muro das Lamentações do viralatismo nacional. Seremos anfitriões que ficam pedindo pras visitas repararem a bagunça ou vamos oferecer o que temos de melhor? E não esqueçamos de prender os vira-latas que moram dentro de nós. Senão, o que que os gringos vão pensar da gente?

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