Saul Leblon - Carta Maior - 21/05/2014
A Alston precisou de 12 dias apenas para emplacar uma novidade que o planejamento estadual tucano não conseguiu prever em anos.
A Alston, incluída nas denúncias da engrenagem que há 20 anos lesa as licitações do metrô de São Paulo, avocou-se em 2005 a prerrogativa de alterar o traçado de uma linha do sistema e incluir uma nova estação no trajeto.
A notícia, embora tenha merecido um editorial da Folha, não chegou a sensibilizar os colunistas da indignação seletiva.
Falta de tempo, talvez.
A contagem regressiva para a Copa --quando tudo deve dar errado, ou pelo menos nada pode transpirar acerto, exige foco no repertório e na afinação do jogral.
As atenções assim monopolizadas explicam, ademais, que a Folha tenha noticiado e, rapidamente, abduzido da primeira página mais essa evidência gritante do desembaraço que rege as relações entre multinacionais, cartéis e o governo de São Paulo.
Há detalhes sugestivos do quão profunda é a ingerência do interesse privado na administração da coisa pública sob responsabilidade do PSDB.
A multinacional francesa precisou de 12 dias apenas para emplacar a novidade que o planejamento estadual tucano não conseguiu prever em anos.
Adicionalmente, incluiu no pacote medidas para lipoaspirar o mobiliário das estações, sem corte correspondente no seu preço de fornecimento, agindo, portanto, para vitaminar o próprio lucro.
É mais uma informação de como se define o investimento na mesa de decisões do tucanato paulista, que levou a maior e mais rica metrópole do país às portas do racionamento de água por falta de planejamento.
Mas não só isso.
Estamos diante de algo maior. Uma sugestiva ilustração dos limites que cercam o diferencial acenado pela plataforma conservadora para a disputa presidencial de outubro.
Qual seja, a promessa de destravar as amarras de um novo ciclo de crescimento, fazendo do país um barco complacente aos ventos dos livres mercados.
Vale dizer, da lógica das Alstons, Siemens e assemelhados.
É essa rosa dos ventos que faz a Bolsa subir quando enquetes amigáveis alardeiam a escalada dos candidatos conservadores nas intenções de voto.
A amostra longamente maturada nas gestões Covas, Serra e Alckmin em São Paulo não evidencia qualquer identidade entre esse entusiasmo e o interesse da população.
Ademais de lesar os cofres públicos, a expansão da rede metroviária da capital avançou nesses vinte anos a passo de tartaruga, somando apenas 74 km de trilhos: um terço do realizado pelo sistema mexicano no mesmo período.
Tivesse pernas, o colunismo da indignação seletiva poderia se propor essa reflexão:
‘Quanto do inferno em que se transformou o trânsito paulistano poderia ser evitado se vigorasse outra lógica, que não o preguiçoso intercurso entre a esperteza das grandes corporações e a passividade do poder público estadual?
Quem sabe até estende-la um pouco além.
Ou será que a experiência de São Paulo não nos coloca diante do custo oneroso de um ‘intervencionismo' às avessas?
Aquele em que o oligopólio planeja a sociedade e submete o Estado?
Por certo, o discernimento do eleitor, alvejado pela suposta causalidade entre o ‘intervencionismo da Dilma’ e a sofrível evolução da infraestrutura brasileira, ganharia elementos adicionais para decisão em outubro.
Não se trata, justiça seja feita, de uma jabuticaba tucana.
A verdade é que a principal bandeira do PSDB –ou de Campos, tanto faz, colide com o assalto estrutural da escala capitalista em todo o globo, que reduz a agenda dos livres mercados a uma marca de fantasia desprovida de chão histórico para ficar de pé.
Há um indicador que mede esse solapamento do sonho liberal: a ‘razão de concentração de mercados’.
Ele indica o quanto um setor da economia é dominado pelos seus quatro maiores atores corporativos.
Como já foi dito neste espaço, hoje essa razão de mercado se tornou infecciosa.
Os oligopólios açambarcaram desde a produção de cerveja a de sucrilhos, de lâmpadas a aviões, de vagões de metrô a taxas de juros.
O cartel de bancos que manipulou a taxa básica de Londres, a Libor, durante anos, com implicações na estrutura de custos de todas as praças do planeta, mostra o quanto o mito da livre iniciativa tem de propaganda enganosa.
O colapso de 2008 aconteceu não porque os banqueiros sejam demônios adornados de gravatas de seda.
Mas porque a lógica segundo a qual a exacerbação dos interesses corporativos leva ‘à harmonia eficiente do sistema' enfrenta colisões apreciáveis com a realidade do capitalismo em nosso tempo.
A ação dos oligopólios no metrô tucano mostra isso em ponto pequeno.
O livro de Thomaz Piketty, ‘O Capital no Século XXI’, escancara os desdobramentos dessa lógica em grande escala.
A espiral da desigualdade, ensina, é a doença intrínseca ao ambiente econômico que renuncia à repressão estatal contra a acumulação rentista.
Incorporar as lições de Piketty e da Alston ao debate eleitoral de 2014 seria fatal ao discurso conservador.
Mas substituir a sua lógica por outra envolve requisitos à construção de uma nova hegemonia, tampouco negligenciável em sua complexidade política.
Inclua-se aí a repactuação de metas, novas ferramentas democráticas de participação e a reordenação do modelo de financiamento da economia, com a indução do excedente econômico –hoje apropriado pelo cassino rentista, por exemplo—para o investimento.
Que nenhuma mesa tenha reunido até agora manifestantes de protestos e lideranças do governo e do PT em torno dessa encruzilhada dá a dimensão da enorme distancia a vencer.
Sem afrontá-la na prática persistirá a lógica que terceiriza estações do metrô, e o destino da sociedade, ao planejamento insaciável dos oligopólios.
A Alston, incluída nas denúncias da engrenagem que há 20 anos lesa as licitações do metrô de São Paulo, avocou-se em 2005 a prerrogativa de alterar o traçado de uma linha do sistema e incluir uma nova estação no trajeto.
A notícia, embora tenha merecido um editorial da Folha, não chegou a sensibilizar os colunistas da indignação seletiva.
Falta de tempo, talvez.
A contagem regressiva para a Copa --quando tudo deve dar errado, ou pelo menos nada pode transpirar acerto, exige foco no repertório e na afinação do jogral.
As atenções assim monopolizadas explicam, ademais, que a Folha tenha noticiado e, rapidamente, abduzido da primeira página mais essa evidência gritante do desembaraço que rege as relações entre multinacionais, cartéis e o governo de São Paulo.
Há detalhes sugestivos do quão profunda é a ingerência do interesse privado na administração da coisa pública sob responsabilidade do PSDB.
A multinacional francesa precisou de 12 dias apenas para emplacar a novidade que o planejamento estadual tucano não conseguiu prever em anos.
Adicionalmente, incluiu no pacote medidas para lipoaspirar o mobiliário das estações, sem corte correspondente no seu preço de fornecimento, agindo, portanto, para vitaminar o próprio lucro.
É mais uma informação de como se define o investimento na mesa de decisões do tucanato paulista, que levou a maior e mais rica metrópole do país às portas do racionamento de água por falta de planejamento.
Mas não só isso.
Estamos diante de algo maior. Uma sugestiva ilustração dos limites que cercam o diferencial acenado pela plataforma conservadora para a disputa presidencial de outubro.
Qual seja, a promessa de destravar as amarras de um novo ciclo de crescimento, fazendo do país um barco complacente aos ventos dos livres mercados.
Vale dizer, da lógica das Alstons, Siemens e assemelhados.
É essa rosa dos ventos que faz a Bolsa subir quando enquetes amigáveis alardeiam a escalada dos candidatos conservadores nas intenções de voto.
A amostra longamente maturada nas gestões Covas, Serra e Alckmin em São Paulo não evidencia qualquer identidade entre esse entusiasmo e o interesse da população.
Ademais de lesar os cofres públicos, a expansão da rede metroviária da capital avançou nesses vinte anos a passo de tartaruga, somando apenas 74 km de trilhos: um terço do realizado pelo sistema mexicano no mesmo período.
Tivesse pernas, o colunismo da indignação seletiva poderia se propor essa reflexão:
‘Quanto do inferno em que se transformou o trânsito paulistano poderia ser evitado se vigorasse outra lógica, que não o preguiçoso intercurso entre a esperteza das grandes corporações e a passividade do poder público estadual?
Quem sabe até estende-la um pouco além.
Ou será que a experiência de São Paulo não nos coloca diante do custo oneroso de um ‘intervencionismo' às avessas?
Aquele em que o oligopólio planeja a sociedade e submete o Estado?
Por certo, o discernimento do eleitor, alvejado pela suposta causalidade entre o ‘intervencionismo da Dilma’ e a sofrível evolução da infraestrutura brasileira, ganharia elementos adicionais para decisão em outubro.
Não se trata, justiça seja feita, de uma jabuticaba tucana.
A verdade é que a principal bandeira do PSDB –ou de Campos, tanto faz, colide com o assalto estrutural da escala capitalista em todo o globo, que reduz a agenda dos livres mercados a uma marca de fantasia desprovida de chão histórico para ficar de pé.
Há um indicador que mede esse solapamento do sonho liberal: a ‘razão de concentração de mercados’.
Ele indica o quanto um setor da economia é dominado pelos seus quatro maiores atores corporativos.
Como já foi dito neste espaço, hoje essa razão de mercado se tornou infecciosa.
Os oligopólios açambarcaram desde a produção de cerveja a de sucrilhos, de lâmpadas a aviões, de vagões de metrô a taxas de juros.
O cartel de bancos que manipulou a taxa básica de Londres, a Libor, durante anos, com implicações na estrutura de custos de todas as praças do planeta, mostra o quanto o mito da livre iniciativa tem de propaganda enganosa.
O colapso de 2008 aconteceu não porque os banqueiros sejam demônios adornados de gravatas de seda.
Mas porque a lógica segundo a qual a exacerbação dos interesses corporativos leva ‘à harmonia eficiente do sistema' enfrenta colisões apreciáveis com a realidade do capitalismo em nosso tempo.
A ação dos oligopólios no metrô tucano mostra isso em ponto pequeno.
O livro de Thomaz Piketty, ‘O Capital no Século XXI’, escancara os desdobramentos dessa lógica em grande escala.
A espiral da desigualdade, ensina, é a doença intrínseca ao ambiente econômico que renuncia à repressão estatal contra a acumulação rentista.
Incorporar as lições de Piketty e da Alston ao debate eleitoral de 2014 seria fatal ao discurso conservador.
Mas substituir a sua lógica por outra envolve requisitos à construção de uma nova hegemonia, tampouco negligenciável em sua complexidade política.
Inclua-se aí a repactuação de metas, novas ferramentas democráticas de participação e a reordenação do modelo de financiamento da economia, com a indução do excedente econômico –hoje apropriado pelo cassino rentista, por exemplo—para o investimento.
Que nenhuma mesa tenha reunido até agora manifestantes de protestos e lideranças do governo e do PT em torno dessa encruzilhada dá a dimensão da enorme distancia a vencer.
Sem afrontá-la na prática persistirá a lógica que terceiriza estações do metrô, e o destino da sociedade, ao planejamento insaciável dos oligopólios.
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