Samuel Wainer escancara as relações entre a “grande” imprensa no Brasil e as empreiteiras
Por Cynara Menezes - Socialista Morena - 12/06/2016
O jornalista Samuel Wainer (1910-1980) foi, para quem não conhece a sua trajetória, um dos maiores jornalistas do país. Judeu do bairro do Bom Retiro, em São Paulo, de origem humilde, conseguiu construir seu próprio jornal, o Última Hora, um diário de perfil popular que logo conquistaria tiragens gigantescas, ameaçando o poderio da meia dúzia de famílias que detém o controle da imprensa em nosso país. Claro que os coronéis midiáticos não iriam permitir que um joão-ninguém roubasse seu público, e patrocinaram a destruição do império jornalístico fundado por Wainer com o apoio de Getúlio Vargas.
Compara-se muito atualmente a caçada a Lula à perseguição a Getúlio e a Juscelino Kubitschek. Pois eu encontro mais paralelos entre a história da Última Hora/Samuel Wainer e a do PT/Lula: o jornal de um outsider que tenta, para sobreviver, fazer o mesmo que os outros meios de comunicação fazem, ou seja, conseguir dinheiro junto às grandes fortunas brasileiras, ao governo e às empreiteiras. Os demais jornais podiam (e podem) fazer isso. A Última Hora e Wainer, não. O mesmo aconteceu com o PT e Lula: tentaram fazer parte de um clube que não os aceitava como sócios. Obviamente estão sendo expulsos agora. Samuel Wainer e a Última Hora foram investigados, assim como Lula e o PT, enquanto os outros jornais/partidos seguem inimputáveis.
Mas quando foi que começou essa promiscuidade entre as empreiteiras e os políticos? Não é verdade que foi a partir da ditadura militar. Segundo conta Samuel Wainer em sua autobiografia, Minha Razão de Viver, estas relações remontam à década de 1950, e contaram com a cumplicidade explícita dos meios de comunicação. A coisa funcionava assim: os donos de jornais atuavam como representantes das empreiteiras, a garantia de que o serviço prestado seria pago. Chantageavam o governo para que utilizasse tal empreiteira em determinada obra; se não o fizesse, passaria a ser atacado pelo veículo em questão. Se cedesse, o dono do jornal ganhava da empreiteira 10% sobre o valor orçado para a obra. Ora, ora, e nós pensando que foram os políticos que inventaram a propina…
O empreiteiro era, segundo Wainer, “uma figura essencial aos interessados em decifrar os segredos do jogo do poder no Brasil”. E continua sendo… A única diferença é que, em vez da relação direta que tinham com os donos dos jornais, o dinheiro foi providencialmente “limpo”: passaram a ser anunciantes. Ainda hoje as grandes construtoras figuram entre os que mais publicam anúncios na imprensa –só perdem para o governo, que tragédia. Será que se a Lava-Jato fosse uma operação séria estes elos poderiam ser melhor revelados? Difícil acreditar, quando a operação Zelotes, que originalmente foi criada para investigar um escândalo de sonegação de impostos que envolvia meios de comunicação, acabou tendo como único foco o ex-presidente Lula e seus familiares…
Samuel Wainer também fala das benesses que os empresários de comunicação obtinham do governo federal, como a isenção fiscal e a facilidade para a importação de papel-jornal e maquinários –sem contar os anúncios. Quando o PSDB ocupava a presidência não era muito diferente. Em 1999, o BNDES, um banco público, se tornou SÓCIO da Globo Cabo (4,8% de participação). Em 2002, ainda no governo FHC, o BNDES injetou 284 milhões de reais, em valores da época, na emissora. Obviamente o presidente FHC não iria faltar à inauguração do reluzente novo parque gráfico dos Marinho.
Em 2003, já no governo Lula, os jornais tentaram conseguir junto ao BNDES um novo empréstimo, desta vez em conjunto, para salvar sua situação financeira. O empréstimo não foi concedido. Quando eu vejo a pressão da imprensa pela volta dos tucanos ao poder, fico pensando: não haveria aí algum interesse financeiro? Se o PSDB voltar ao poder, haverá um Proer da mídia? Me parece meio óbvio.
Fiquem com Samuel Wainer e o trecho de Minha Razão de Viver em que fala sobre as relações promíscuas dos donos da imprensa com as empreiteiras.